Roteirizado e dirigido por Célinne Sciamma, Retrato de uma Jovem em Chamas exibe roteiro bem construído, tempo narrativo peculiar e bela direção de fotografia. A obra francesa se distancia do estilo de produções mainstream e exibe características de um cinema autoral.
Ambientado no século 18, o longa narra a trajetória de uma artista contratada para pintar o retrato de uma jovem. Tal imagem permitiria a matriarca da família que apresentasse a filha ao possível marido em um casamento arranjado, algo comum na época. No entanto, o encontro entre a pintora e a noiva prometida resulta no nascimento de uma paixão.
Harmonia entre forma e conteúdo
Um flashfoward (evento futuro) marca o início do filme, este logo transposto para o passado de uma pintura intrigante. O roteiro segue uma estrutura agradável e de fácil compreensão, porém, a narrativa apresenta um tempo particular. Há uma maior contenção inicial e, posteriormente, dá-se espaço a diálogos mais rebuscados.
Neste percurso, a direção de arte com os figurinos e objetos cênicos compõe a época retratada. Mas é a direção de fotografia de Claire Mathon que se destaca, tanto nos cuidados com a iluminação em ambientes internos quanto nos enquadramentos, estes parecem remeter a pinturas em uma moldura. Há uma sintonia entre a forma e o conteúdo da história.
Bela simetria, porém, o filme diferencia-se dos títulos de grande apelo comercial. Deste modo, requer maior atenção em determinados momentos do texto para uma ampla absorção da riqueza dos diálogos. Além disso, detém um ritmo mais suave.
Universo feminino em foco
O relacionamento homoafetivo não é visto como um tabu pelas jovens. Entretanto, na época havia uma imposição social mais rígida e, independente da orientação sexual, a mulher já estava destinada ao papel de esposa e mãe. Ainda assim, existiam exceções a essa regra.
Sem ser panfletário e com respeito ao contexto histórico, o filme lança um olhar sobre questões do universo feminino. A escolha por seguir em frente ou não com uma gravidez ou mesmo a importância da sororidade (irmandade entre mulheres), tais reflexões são trazidas para a obra.
Com os pés firmes na realidade, Célinne Sciamma consegue construir uma trama crível, porém, repleta de romantismo. Além disso, Retrato de uma Jovem em Chamas exibe um equilíbrio entre diálogos ricos e momentos minimalistas, nos quais o próprio encadeamento de ideias da montagem já é o suficiente para transmitir a ideia desejada.