Dirigido e roteirizado por Marcelo Martinessi, o longa ‘ As Herdeiras ‘ é caracterizado por um tempo peculiar e sutilezas. Para além da relação desgastada de um casal, o filme retrata o despertar de uma mulher para a vida, isso marcado esteticamente por uma câmera em constante busca pelo foco diante de uma porta entreaberta para o mundo.
Um olhar inquieto diante da venda de móveis do lar, a existência que parece se esvair diante de uma alma entorpecida. Os primeiros minutos de exibição dão o tom da trama, na qual Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarita Irum) vivem uma união de longa data, agora afetada por dificuldades financeiras. Mas é com a prisão da companheira que a protagonista irá se dar conta do real problema.
Responsável pelo roteiro e direção, Marcelo Martinessi adota um tempo particular e de forma cautelosa apresenta o mundo ordinário daquelas mulheres e de maneira quase orgânica conduz a visão do espectador para a insatisfação da figura central, sem maniqueísmos.
A pouca luminosidade na casa delas também parece refletir a situação, da mesma forma, o excesso de meticulosidade na forma de lidar com o trato da casa e com a empregada doméstica demonstra a origem privilegiada delas e levanta a problemática distinção entre classes sociais, esta sobrepujada pelas carências humanas.
Nas entrelinhas de ‘ As Herdeiras ‘
É curioso perceber como se dá a inversão dentro de uma perspectiva figurada, enquanto uma é conduzida ao encarceramento prisional, a outra parece se dar conta das amarras e da clausura vivida. Neste distanciamento, a personalidade de cada uma delas fica evidente para o público.
De natureza mais branda, Chela encontra uma atividade na qual obtém uma fonte de renda e, neste novo percurso, se depara com Angy, vivida por Ana Ivanova. Mas não espere por cenas tórridas de sexo, não é essa a proposta, a ousadia se dá pela atmosfera construída e pelos diálogos travados. A delicadeza é traço marcante tanto na atuação de Brun quanto na de Ivanova, esta que corporifica o foco do desejo.
Com exceção do final, ‘ As Herdeiras ‘ não é um filme de grandes reviravoltas, segue uma linha intimista e adota um ritmo mais literário. Permeada por sutilezas, a trama se constrói dentro de uma perspectiva de cotidiano, mais realista; sem glamour, mas com um toque de sedução. Recomendo.